Leonardo Vianna

Co-Founder & CEO

Segui o meu ritual: liguei o computador, cumprimentei meus companheiros de mesa e fui pegar o meu café na copa. Não pude deixar de notar o escritório vazio. Dos 50 colaboradores, não localizei mais do que 10 ocupando suas posições de trabalho, e desses 10, não reconheci a metade.

Como de costume, volto para minha mesa e tiro 5 minutos para organizar e rever a minha agenda do dia e da semana. Fico surpreso que finalmente os sócios seguiram minha recomendação de realizarmos a reunião semanal da diretoria às 8h30. A agenda está super organizada, a Katarina sempre impecável, deixou todas as reuniões com referências sobre os assuntos a serem discutidos e o LinkedIn de todos os participantes. Achei interessante que todas as reuniões eram na verdade “conference calls” e que o tempo reservado para cada uma era de 30 minutos ao invés dos 60 minutos que sempre pedi para serem reservados levando em conta o tempo de deslocamento. Tirando dois almoços, todas as reuniões seriam realizadas online, as internas pelo “Microsoft Teams” e as externas pelo “Zoom”.

Caminho para sala central para realizarmos a reunião das 8h30 e encontro apenas o Carlos, com a bela camisa da empresa e sua caneca de café em formato de barril de chopp. Tirando a ausência da barba estilo lenhador que sempre foi sua marca registrada, estava tudo normal. Reclamei do fato de ninguém estar presente na sala, e ele como era de costume, riu sem levar a sério, dizendo que todos iriam se conectar de seus computadores e que o Arthur, apesar de estar no escritório, preferia conectar da mesa dele.

A reunião virtual começou e tomei um susto ao ver que tínhamos 12 pessoas participando e que 6 delas eu nem conhecia. Todos acharam graça quando perguntei se não era o horário da reunião da diretoria, e mais ainda quando perguntei quem eram aquelas pessoas que eu nunca tinha visto.

O Arthur, que junto com o Carlos e eu fundamos a Hurst Capital em 2017, fez piada, falou que depois de 2 semanas de férias, e por já não ser mais um garoto, seria difícil para mim lembrar de todos os nossos 280 colaboradores. Os assuntos da pauta começaram a ser discutidos, mas eu não conseguia mais me concentrar nos tópicos. Saí da sala sem interromper as discussões e fui para minha mesa em busca de mais informações sobre o que estava acontecendo.

Entrando na minha caixa de e-mail verifiquei a data e tomei um susto! Combinei de tirar 2 semanas de férias aproveitando a quarentena do COVID-19 e fui passar uns dias no interior de São Paulo. Meu retorno às atividades estava marcado para o dia 27 de abril de 2020 e não de 2022!!! Conferi a data no meu celular e uma vez mais vi que estávamos realmente em 2022. Procurando mais informações sobre os acontecimentos entre as duas datas, encontrei um e-mail que me chamou a atenção, o título da mensagem era:

“CALENDARIO DE TRABALHO DOS COLABORADORES HURST CAPITAL- NOVO NORMAL”,

Pelo que eu entendi, após o período de quarentena do COVID-19, implementamos um plano de trabalho para todos os colaboradores. Nele, dividimos os colaboradores em 2 grupos: o primeiro grupo era formado por colaboradores 100% remotos, que estavam sendo chamados de e-workers, e o segundo grupo era formado por colaboradores parcialmente remotos, que chamamos de in-workers.  

Os e-workers representavam 40% da nossa força de trabalho e o mais interessante foi notar que o código de área de seus celulares eram dos mais variados: tínhamos representantes de (092) Manaus, (091) Belém, (065) Cuiabá, (067) Campo Grande MS, (083) Campina Grande, (051) Porto Alegre, (027) Vitória, entre outros.

Os in-workers eram separados em clusters e possuíam dois dias fixos na semana para estarem no escritório, e nos demais dias permaneciam remotos. E quer saber mais? Para alguns colaboradores, além do computador e celular da empresa, fornecemos um work booth.

Eu não fazia a menor ideia do que era isso, e nessa hora o Google me salvou. Estamos falando de uma estação de trabalho que parece uma cabine de telefonia antiga onde a pessoa pode ficar isolada trabalhando. Minha mente acelerou e já comecei a pensar no impacto que isso estaria causando no mercado imobiliário como um todo.

Como quem adormeceu e perdeu a festa, mergulhei para entender o que estava acontecendo. Já nas primeiras notícias pude perceber que a adoção do trabalho remoto parcial ou total para todos os funcionários não foram medidas adotadas exclusivamente na Hurst Capital, mas sim por todo mercado.

Na reportagem da Exame, o presidente da Vivo, anunciava a ampliação do número de dias de home office para 80% dos seus colaboradores, passando de 2 para 4 dias por semana. Seis meses depois a Vivo devolveu 50% do espaço ocupado no Edifício Eco Berrini.

Nossa, imagino o choque sofrido pelo time da GERAI da PREVI! E não parou por aí, procurei todos os principais ocupantes da cidade de São Paulo: Banco Itaú, Banco do Brasil e Banco Santander, Claro, Nestle, Amil Saúde, Unilever, Jonhson & Jonhson, L’Oréal, Ambev, Deloitte, e a história se repetia…

Todos devolveram entre 30-60% dos espaços ocupados nos edifícios comerciais da cidade de São Paulo. O setor financeiro parecia ser o que menos devolveu área percentualmente, enquanto as empresas de Telecom foram as que mais reduziram suas ocupações.

Mudei a minha busca para entender o impacto da quarentena do COVID-19 sobre o varejo. As notícias não poderiam ser mais assustadoras. Os Shopping Centers ficaram fechados por 2 meses inteiros, e por 4 meses só puderam abrir por meio período, com suas praças de alimentação restritas a 1/4 da ocupação anterior e cinemas fechados.

Durante os 2 meses de portas fechadas não foram cobrados aluguel nem fundo de promoção dos lojistas, mas precisaram manter a cobrança de condomínio para cobrir custos básicos de segurança, energia e limpeza. Mesmo com essa medida, 60% dos lojistas ficaram inadimplentes e como resultado dos 2 meses sem faturar, 50% deles quebraram e não tiveram como manter a operação das lojas.

Na reabertura dos Shopping Centers, os consumidores não voltaram para consumir como antes. As incertezas sobre a doença e o desemprego fizeram o índice de confiança do consumidor chegar ao nível mais baixo da história. O consumo ficou restrito aos itens essenciais e o consumidor agora acostumado a comprar on-line prefere fazer suas compras por seu dispositivo móvel e pelo computador.

Com a retração das vendas das lojas físicas, os aluguéis cobrados precisaram ser revistos, e isso somado à vacância acumulada pelo fechamento das lojas satélites, levou a receita dos Shopping a patamares inferiores a 50% dos números de 2019.

Ficou claro que os mais impactados foram:

  1. Shopping Centers não dominantes das suas regiões primarias;
  2. Shopping Centers não pertencentes as grandes redes, capitalizadas e com uma estratégia pronta para estabelecer um “digital marketplace” que coloque as lojas físicas dos Shoppings como a “in-person experience” das marcas; e
  3. Shopping Centers em fase de maturação (com poucos anos de funcionamento) que ainda não conseguiram estabelecer uma base de consumidores fiéis e lojistas com volume de venda consistente.

Impressionante ver a classe de ativo mais resiliente do setor imobiliário tendo sua viabilidade sendo questionada.

Me senti em uma queda livre ao imaginar como seria explicar a todos os pequenos cotistas dos Fundos de Investimento Imobiliário a nova realidade de não receber pagamento de dividendos ou uma fração do valor recebido nos anos anteriores.

Na hora lembrei da minha carteira de investimento e da minha exposição ao setor imobiliário… O embrulho no estômago foi tal que nessa hora despertei de forma brusca, levando minha esposa a quase um ataque cardíaco ao meu lado.

Eu estava ensopado de suor, a Dafne olhando para mim com uma cara assustada me perguntou o que tinha acontecido. Apesar de não ter dormido nada bem, respondi com um enorme alívio: “Amor, me desculpa… Tive um pesadelo, sendo mais preciso, um PESADELO IMOBILIÁRIO”. Ela me olhou com cara de quem não entendeu nada, me ignorou e voltou a dormir.

O isolamento social resultado da quarenta obrigatória aceleraram mudanças comportamentais que levariam décadas ou centenas de anos para acontecerem. Não temos como prever todos os impactos causados pelo COVID-19 e a quarentena obrigatória, mas precisamos discutir abertamente a gravidade do potencial impacto sobre setor imobiliário e a economia como um todo, deixando os pequenos investidores informados que o nível de risco dos seus investimentos mudaram radicalmente. 

 

Fonte: Link